Durante toda minha longa experiência no futebol, sempre me perguntei por que a maioria dos jogadores brasileiros não faziam – ou não se interessavam em fazer – uma gestão cuidadosa de suas carreiras, quase sempre curtas e incertas.
Se mundo afora são diversos os exemplos de carreiras esportivas bem administradas, seja pelos(as) próprios(as) atletas ou por terceiros -, no Brasil a regra do jogo parece ser outra.
Infelizmente, não dispomos de um grande número de especialistas, pessoas jurídicas ou físicas, que gerenciem carreiras com a competência, o zelo e o profissionalismo que a atribuição pede.
Exceto pelos(as) atletas já consagrados(as), mais longevos(as), com patrocinadores e parceiros comerciais, a maioria – e, em especial, os(as) que estão começando – ainda parece negligenciar os muitos riscos inerentes à profissão de atleta de alta performance. Assim, depositam cegamente seus destinos nas mãos de pais, irmãos ou outras pessoas que, por mais bem-intencionadas que sejam, quase nunca estão capacitadas a lidar com habilidade com o tesouro que lhes é confiado.
Ao abordar este tema, como não lembrar de Adriano Imperador e de tantos craques que, mal orientados – ou sem orientação alguma –, perderam-se com más companhias, pseudoempresários interessados apenas em suas fortunas, falta de estudo ou suporte psicológico para o trato adequado com a vida nababesca de um vitorioso atleta de alto desempenho?
Lamentavelmente, não me admira que inúmeros Adrianos fiquem pelo caminho, acabem na miséria ou endividados até as tampas quando largam o esporte. O insucesso é fruto de uma inadequada – ou inexistente – gestão de carreira.
E quando falo em gestão de carreira, não posso deixar de falar em gestão de imagem. Uma é inerente à outra.
Não faz tanto tempo e o fãs de futebol acompanharam o imbróglio envolvendo Neymar e seu atual clube, o Paris Saint-Germain.
Em explícita demonstração de descontentamento por não ter sido negociado – desejo revelado pelo próprio após o reinício da temporada europeia –, o principal jogador da Seleção Brasileira foi, para mim, desrespeitoso com seu empregador ao não se reapresentar na data marcada, com os demais colegas de elenco, na volta das férias de verão.
(Vale lembrar que esse mesmo empregador garante a Neymar um dos salários mais altos do futebol mundial, cifra que o coloca entre os 15 esportistas mais bem pagos do planeta na atualidade).
Resultado da novela? Neymar permaneceu em Paris, mas ganhou a inimizade de parte da torcida do PSG. Embora tenha começado a temporada marcando gols, desequilibrando partidas em favor de sua equipe e com vários contratos de patrocínio renovados ou novos, inegavelmente teve a imagem arranhada e passou a carregar sobre os ombros o peso da figura de um jovem mimado e manhoso, do tipo ídolo “irreverente” e incontrolável.
A propósito, sobrou também para Neymar pai, gestor da carreira do atacante e persona non grata a um sem-número de torcedores, dirigentes e comunicadores, que o responsabiliza por atitudes como esta, do “filho-cliente”.
É fato que Neymar Jr. já está com o futuro financeiro garantido – e o de seu filho também –, desde que evite grandes bobagens. Mas o alto preço da imagem arranhada não há fortuna capaz de bancar. E é neste ponto que imagem e carreira se conectam.
Mas há exemplos na direção oposta, natural e felizmente.
Ainda que o(a) jovem leitor(a) talvez não tenha visto nosso eterno tricampeão Ayrton Senna em ação, dificilmente irá encontrar algo que macule sua carreira caso resolva fazer uma pesquisa mais aprofundada. Não à toa, passados 25 anos de sua morte, Senna é, até hoje, lembrado como um atleta que soube conduzir sua trajetória, dentro e fora das pistas, com responsabilidade e profissionalismo. O status de ídolo e de exemplo é mais do que merecido também por esse aspecto.
E como no início desta coluna citei atletas internacionais como referências possíveis de boa administração de carreira, não poderia deixar de mencionar o case do maior jogador de basquete de todos os tempos: sim, Michael Jordan segue um monstro. Só que agora, fora das quadras, pela forma zelosa e assertiva com que conduz o legado construído enquanto atleta e o incrível potencial de sua marca pessoal.
Mesmo decorridos mais de 15 anos de sua aposentadoria, Jordan gere seus negócios de forma irrepreensível. À la Midas, transforma em ouro o que toca. Resultado? Mais dinheiro para ele e para seus patrocinadores e parceiros comerciais – muitos deles, registre-se, de longa data e/ou vitalícios, como Gatorade e Nike, por exemplo.
Como explicar, senão pela boa gestão de carreira e imagem, o sucesso do tênis Air Jordan, produzido pela Nike e até hoje um dos mais vendidos do mundo? Ou, ainda, a parceria que o ex-atleta firmou com o PSG de Neymar Jr. para a criação de uma linha especial de material esportivo que leva sua assinatura?
Pouco? O suficiente para manter Air Jordan nas listas mais recentes dos esportistas mais bem pagos de todos os tempos – lembrando que ele parou de jogar há década e meia.
Penso que Senna e Jordan deveriam ser um norte para as atuais e futuras gerações de atletas, como referências de figuras que souberam preservar e administrar suas imagens, carreiras e patrimônios, materiais e imateriais.
E é por isso que imputo como imprescindível a um(a) esportista de alto rendimento cercar-se de profissionais capacitados e competentes, habilitados a desenhar um plano estratégico para o transcorrer de suas carreiras – e para o pós-carreira, sobretudo. Esta deveria ser uma tarefa obrigatória a todos(as) aqueles(as) que sonham viver do esporte.
Não é demérito algum dizer que devíamos aprender com quem sabe. Aliás, seria sábio se assim o fizéssemos. Quem sabe, por novos Sennas ou por um Jordan brasileiro.