Esperei o término da 34ª rodada do Brasileirão, concluída no último domingo 24, para escrever a coluna desta quinzena. E isso, apenas, para poder falar sem riscos sobre mais um troféu para a galeria de glórias do Flamengo, conquistado com muito mérito com quatro rodadas de antecipação, em campanha surpreendente.
Ocorre que o título nacional foi celebrado menos de 24 horas após o tão aguardado bicampeonato da Libertadores da América, numa daquelas combinações dos sonhos que os deuses do futebol vez por outra concedem a alguma privilegiada torcida.
Em virtude dessa dobradinha, os(as) fãs de futebol, naturalmente, têm sido bombardeados nos últimos dias por uma overdose de Flamengo no noticiário esportivo. Mas, convenhamos, não poderia ser diferente. E é por isso que peço licença a você, que me acompanha neste MKT Esportivo, para também falar sobre o clube da Gávea.
Quem me conhece sabe que há muito eu já falava sobre os impactos que uma administração profissional e organizada de Flamengo e/ou Corinthians poderia causar no futebol brasileiro.
Nas minhas palestras, inclusive, sempre deixei claro que ambos se tornariam imbatíveis dentro de campo quando conseguissem equalizar suas dívidas, maximizassem o retorno da força de suas marcas e agrupassem profissionais qualificados e experientes para gerí-los. Pois bem, parece que eu tinha razão (e perdoe-me, prezado(a) leitor(a), se pareço arrogante; garanto não ser esta minha intenção!).
Mas engana-se quem pensa que a reconstrução do Flamengo começou nesta temporada ou na passada; o case de sucesso teve início em 2013, quando Eduardo Bandeira de Mello assumiu a presidência.
Sob seu comando, competentes dirigentes promoveram uma revolução no clube: organizaram-no administrativamente, equacionaram sua gigantesca dívida – até então tida como impagável -, implantaram o conceito de gestão profissional, privilegiaram a transparência dos números e balanços e retomaram os investimentos nas categorias de base (embora, ao falarmos de base, não devamos nos esquecer da tragédia ocorrida no início deste ano no Ninho do Urubu, palco de um incêndio que matou dez pessoas).
Naquilo que chamo de ciclo virtuoso, a reestruturação administrativa escancarou as portas do clube para os patrocinadores. Concomitantemente, os resultados de campo começaram a querer aparecer. Os cofres rubro-negros voltaram a se encher com as cotas de televisão, a marca ganhou mais visibilidade, o plano de sócios cresceu – e, segundo consta, hoje contabiliza mais de 150 mil apaixonados(as) – e todas as luzes voltaram-se ao time da Gávea. Havia no ar uma expectativa pelo retorno do Flamengo ao lugar mais alto do pódio a qualquer momento.
Mas se por um lado os deuses do futebol conspiram para um fim de semana inesquecível, como esse do “combo de títulos”, eles também, às vezes injustamente, tiram de cena peças fundamentais do quebra-cabeça das conquistas.
Sem títulos importantes durante esse período de reconstrução administrativa do clube – e quem acompanha futebol sabe que, lamentavelmente, mais valem os troféus do que o caixa em ordem –, Bandeira de Mello não se reelegeu. Em seu lugar assumiu o atual presidente, Rodolfo Landim, cujo início de mandato foi marcado pela já mencionada tragédia no Ninho do Urubu. Dentro do campo, sob o comando do experiente técnico Abel Braga, 2019 também começou claudicante. Fato é que, mesmo bem gerido, muita gente não dava crédito desportivo ao Flamengo nos primeiros meses deste ano.
Só que a maré começou a virar. E isso é mérito da turma de Landim.
Com as finanças em ordem, o clube foi às compras e montou um esquadrão – especialmente para os padrões do alquebrado futebol brasileiro. Abelão foi substituído por um treinador europeu (registre-se, até então desconhecido de boa parte da torcida e da opinião pública brasileira) e a máquina se azeitou. A somatória de duas boas administrações finalmente colocou clube e time num outro patamar.
Flamengo campeão da Taça Libertadores da América. Foto: El PaisO bom desempenho da equipe culminou numa nova crescente de público, na chegada de outros patrocinadores, em mais exposição na mídia – e não apenas no Brasil, mas também na Europa, continente natal do técnico português Jorge Jesus – e na explosão das receitas oriundas do quadro social.
Considere ainda, prezado(a) leitor(a), que o Flamengo possui uma base estimada de 40 milhões de torcedores. É quase como quatro Portugais torcendo para o mesmo time. Base fiel de consumidores como esta pouco ou quase nenhum outro clube do mundo possui – e sabe-se, claro, que isso significa um incrível potencial de receita.
E dá para ir além? Sim, dá.
Se não houver nenhum tropeço no meio do caminho e Flamengo e Liverpool se cruzarem na final do Mundial da Fifa, em breve, um eventual bicampeonato do Rubro-Negro carioca certamente aumentará ainda mais a distância do clube em relação aos rivais brasileiros e latino-americanos. Ouso dizer, até, que depois de muito tempo uma conquista como essa recolocaria um clube do continente em condição de igualdade com os milionários europeus.
Isto posto, impossível não considerar que o gigante parece mesmo ter acordado. E se os flamenguistas torcem para que as coisas se mantenham nos eixos, dentro e fora de campo, os adversários terão de comer muita grama para reconquistar espaço.
Torço muito para que os cariocas da Gávea sirvam de inspiração aos rivais, para que sigam pelo mesmo rumo da gestão responsável e competente. Ou isso, ou será difícil conter o inevitável protagonismo que o eterno clube de Zico deverá exercer pelos próximos anos.
(Com edição de Ricardo Mituti)